O corpo extingue-se na velocidade da paisagem.
Somos reféns da elasticidade acelerada que é o presente, cada vez mais capturados por dispositivos e mecanismos que parecem procurar encontros e toques em distâncias que se criam dentro de proximidades abismais. Os corpos que passam e se cruzam entre si dão lugar a uma fragmentação em pedaços, onde novos corpos surgem como construção repensada, com urgência em redesenhar identidades que já não pertencem a um tempo enganadamente fixo.
A fluidez é esguia e assume um posicionamento chave na tomada de decisão para encontrar caminhos continuamente livres e amplos para que linguagens, ideias e imagens colidam em escritas coreográficas onde a contemplação ocupa espaço ativo de prazer sensorial.
A 2ª edição do PEDRA DURA – Festival de Dança do Algarve procura estabelecer um momento de escapismo do interior individual para um espaço exterior partilhado, onde nos possamos encontrar frente a frente e permitir-nos a olhar as paisagens que carregamos connosco diariamente. Abrimos as portas e insistimos em ouvir com o corpo todo uma dança atenta, uma dança esventrada, brilhantemente escondida na matéria. A paisagem corpo e a paisagem espaço formam um limbo recetor onde nos é feito o convite a nos perdermos e deixar-nos ir, onde o corpo e as arribas se permitem a ser escavadas de dentro para fora.
Cláudia Varejão e Joana Castro trazem-nos a sua Ø ILHA como território de pluralidade paisagística não privatizado. Em colaboração com a CAMADA – Centro Coreográfico, Daniel Matos desenha uma partitura coreográfica para 11 anjos que reivindicam o poder de decisão num silêncio aberto e iluminado, como que um qualquer céu na terra em 11 Angels Saying No.
Em Tutuguri, Flora Detráz manipula o som e o espaço meticulosamente com uma voz abertamente escondida, apresentando-nos o poder da subtileza numa versão site-specific.
Com uma programação diversificada e sempre em atualização, o Pedra Dura vai lançar um foco sobre o trabalho de Luara Raio, bailarine e coreógrafe brasileire, que nos chega em dose dupla com Flecha, onde apresenta uma dança Ebó de contra-ataque entre a degeneração e regeneração do corpo-dor, e Pedra Lançada, uma palestra-performance de ativação de tarot, aberta à participação do público.
O sagrado, o profano e o corpo como passagem e transmutação são temáticas presentes nas obras Haze Gaze de Silvana Ivaldi e Coreografia para Uma Santificação de Mélanie Ferreira, onde o discurso da pele inunda um ambiente de intimidade e aproximação ao espírito da carne. Abre-se ainda espaço à conversa em A dança como possibilidade de redenção, contando com a presença de José Bragança de Miranda.
Ginevra Panzetti e Enrico Ticconi apresentam-se pela primeira vez no Algarve com a estreia nacional de AeReA, onde bandeiras são extensões do próprio corpo através de movimentos hipnotizantes e precisos. Os materiais proliferam a comunicação e chegam a gerações mais novas em formato de arena com Movediço #3, de Marta Cerqueira e Simão Costa.
Entre fendas, escarpas e trilhos a violoncelista e cantora Joana Guerra apresenta-nos o seu ultimo álbum Chão Vermelho, num concerto a solo. Aumentamos a velocidade e galopamos com Coin Operated de Jonas & Lander, onde o público é motor de arranque na ação através da inserção de moedas em cavalos de jogo.
Em parceria com o Festival Dance On Screen Graz (Áustria), dirigido por Valentina Moar, abrimos espaço para a relação da dança com o ecrã através de uma seleção de video-dança internacional no programa Osso-Locomotiva. Em paralelo, o PEDRA DURA desenhou o ciclo O Invisível Indizível na mostra de cinco sessões de filmes para a infância dedicadas ás escolas primárias do concelho de Lagos.
Voltamos a cruzar o corpo Dança com o corpo Ciência num programa que procura comunicar com o eixo curatorial do festival, em colaboração com o Centro Ciência Viva de Lagos, propondo conversas em torno do Som e da Semiótica, passeios geológicos pelas arribas da Ponta da Piedade e uma observação noturna do céu, na contínua contemplação de paisagens estelares.
Entre a delicadeza e o ataque do detalhe do corpo e da palavra, Sofia Dias & Vítor Roriz ocupam o palco do Centro Cultural de Lagos com a emblemática peça “Um gesto que não passa de uma ameaça”.
Das paisagens dançadas às paisagens imaginadas e desenhadas, Luís Guerra encontra-se com o curso de Artes Visuais de duas Escolas Secundárias do concelho numa masterclass onde a chave é Desenhar com o Corpo Inteiro. E porque um corpo total é sinónimo de reconstrução e processo, o PEDRA DURA mantém a oferta de práticas gratuitas através de masterclasses para estudantes e profissionais de dança, contando com a presença de Elizabete Francisca, Natacha Campos e Om Soraia.
O clubbing reúne-nos para a purga contínua e para uma dissolução absoluta, permitindo que os corpos voláteis incorporem uma velocidade que os abrace na poesia de Trypas Corassão de Tita Maravilha e Agatha Cigarra com Big John, esta última que nos presenteia ainda com um live set, e que se estendam para os djsets de Calipos e Fvbricia.
No sentido de estreitar relações com o público, o festival conta ainda com o projeto Podemos tratar-nos por tu?, coordenado por Tiago Mansilha, que consistirá num ciclo de conversas entre o público e os artistas e no lançamento do Podcast Pedra Dura.
Estas são as propostas de uma programação que terá como epicentro o Centro Cultural de Lagos, mas que se espalhará por diversos espaços da cidade. Para ficar a conhecer todos os detalhes e novidades, e para que dance de dia e de noite, consulte o site do Pedra Dura (www.festivalpedradura.com), onde toda a informação será permanentemente atualizada.
Daniel Matos
Codireção Artística
Pedra Dura
Festival de Dança do Algarve
9 a 18 de Novembro 2023