Um corpo erradamente fixo

Avançar em direção ao futuro nunca pareceu tão longe de realmente começar. Há umarigidez, uma solidez, uma compactação da real liberdade que se reflete em céusincendiados, esqueletos de edifícios completamente expostos ao sol e bocas abertascom tanto para dizer, mas num infinito silêncio. O corpo pressente a necessidade deexpansão dentro de tempos e espaços cada vez mais enjaulados, demasiado pequenospara tantas vontades e possibilidades que até hoje pensávamos inalcançáveis.

Avançamos com o próprio corpo, mas sempre pelos passeios, pelas autoestradas, pelas linhas de comboio desenhadas por alguém que não fomos nós, sem nosapercebermos que dos milhares de escolhas possíveis, escolhemos aquela que é odenominador comum, deixando que o automatismo nos inunde inconscientemente osmembros.

O corpo, e as suas cabeças, são erradamente fixos. São ensinados a ocuparem lugaresde absoluta cautela, de cuidado extremo para evitar ferir-se. As feridas requerematenção e quando se dá atenção, vê-se com os olhos. E ver com os olhos é devorar omundo exatamente como ele é.

E se víssemos com o corpo todo? E se andássemos até ao destino mas sempre decostas, para vermos o que fica para trás?

A 3ª edição do PEDRA DURA – Festival de Dança do Algarve procura encontrar umavolatilidade esguia, danças escorregadias, ideias aquosas de liberdade possível que sefaz na coexistência de artistas, público e território.

Entramos para que possamos partilhar contemplações, mergulhar em vazios tãocheios que mal sabemos onde colocar os pés e onde o segredo é juntarmo-nos debaixodo mesmo céu e encostarmos os queixos sobre os ombros vizinhos, dar as mãos eabandonar o corpo nele próprio, para que ele possa fugir de si e regressar mais cheioque nunca.Para que possamos dançar, sempre, até ao fim.


Daniel Matos
Codireção artística e curadoria
Pedra Dura
Festival de Dança do Algarve
7 a 16 de Novembro 2024